Luan Sperandio

Análise baseada em dados, evidências e literatura científica para facilitar a compreensão da política, da economia e do mercado.

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política, economia, filosofia, mercado

Faz sentido uma Reforma Administrativa apenas para o futuro?

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Em geral, os serviços públicos no Brasil são mais caros e ineficientes em virtude das distorções do funcionalismo. Se por um lado, há um festival de privilégios que assola o país, por outro o índice de retorno da carga tributária é o pior dentre as 30 nações de maior carga tributária. Este dado vem do estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). A mudança desse quadro, portanto, passa por uma reforma administrativa robusta, que corte privilégios e crie mecanismos de avaliação de desempenho. Bem como, que ofereça incentivos para maior produtividade e resultados.

Pensando nisso, o governo federal apresentou uma proposta de reforma administrativa. De acordo com dados do Ipea, a estimativa é de que o impacto fiscal da reforma em discussão será de R$ 673 bilhões até R$ 816 bilhões em uma década, entre União, estados e municípios, já considerando o congelamento de salários entre 2020 e 2021.

Já um levantamento do JP Morgan apontou que a depender da redução salarial dos novos entrantes, o ganho fiscal da União será entre R$ 63 bilhões e R$96 bilhões em 10 anos.

De toda forma, o fato é que caso a proposta se aplicasse também ao funcionalismo atual, muito mais poderia ser economizado neste mesmo período.

Além da questão fiscal, a reforma administrativa representa uma oportunidade de amenizar os problemas do Estado brasileiro, em larga medida responsável por uma desigualdade social não natural no país. Todavia, como a proposta do governo Bolsonaro determina que as novas regras valem apenas para os novos servidores, o impacto dela poderia ser muito maior, tanto fiscal, quanto no quesito melhoria de eficiência do serviço público.

Nos próximos 10 anos, cerca de 40% do funcionalismo do país se aposentará. Então, caso a reforma seja aprovada, haverá um cenário de parcela dos servidores com salários de entrada menores e com normas de desempenho, e o restante com as regras atuais, marcado pelo alto custo e ineficiência.

Uma reforma administrativa apenas para o futuro é sinônimo de oportunidade desperdiçada, e significará um atraso de até quatro décadas que poderia valer desde já.

Para evidenciar como deixar os atuais servidores de fora de uma reforma administrativa é uma medida equivocada, elenquei abaixo alguns dados que evidenciam como o atual escopo do funcionalismo brasileiro é pesado e injusto.

Funcionalismo público é privilegiado em relação ao setor privado no Brasil

Estudo do Banco Mundial mostrou que os servidores públicos brasileiros estão entre os mais bem pagos do mundo, embora o país esteja longe de ser um dos mais ricos per capita. A folha salarial do Brasil supera a de Portugal, França, Austrália, Estados Unidos; e até nosso vizinho Chile, que gasta 6,4% de seu PIB com funcionalismo.

No âmbito federal, um servidor recebe 96% a mais do que na iniciativa privada para cargos similares, sendo a média internacional de 21%. Assim, dentre os 53 países que fazem parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o país ficou em primeiro lugar. Além da remuneração desproporcional, os funcionários públicos também têm a prerrogativa de estabilidade, e também não podem ser demitidos. Desde 1998, está para ser regulamentada a possibilidade de demissão por mau desempenho de um servidor, mas esta nunca saiu do papel — e não constou na proposta enviada pelo Executivo.

Por fim, nem diante de uma pandemia, as autoridades brasileiras se mostraram abertas a modificações. Na verdade, aconteceu exatamente o contrário. Em junho, o STF julgou inconstitucional a redução salarial de servidores independentemente de quaisquer circunstâncias.

Enquanto isso, mais de 700 mil empresas fecharam as portas na pandemia; e até julho, 11,7 milhões de trabalhadores formais do setor privado já tinham sofrido redução de seus salários ou a suspensão de seus contratos.

Do outro lado, há 11,4 milhões de servidores no Brasil que não dividem prejuízos de nenhuma crise com o restante da população. E pior: a proposta do governo nem sequer toca neste tema.

Qual a origem deste rombo?

Analistas do Banco Central e do Ministério da Economia recebem salários iniciais duas a três vezes superiores aos mesmos profissionais que atuam nas instituições financeiras do setor privado. Por outro lado, os servidores municipais – que incluem um grande número de trabalhadores da saúde e do ensino fundamental – ganham relativamente menos.

De acordo com dados do Ipea, a média de remuneração na administração pública em 2019 foi de R$ 2.823 no âmbito municipal; R$ 5.174 no estadual e R$ 8.867 no federal. Já as médias de salários no poder público foram ainda maiores: R$ 3.909 no executivo; R$ 6.223 no legislativo e R$ 12.733 no judiciário.

Em contrapartida, a Pnad de 2019 apontou que o vencimento médio dos trabalhadores formais do setor privado era de R$ 2.169, com a maioria dos trabalhadores ganhando menos de dois salários mínimos. Ou seja, valor bem abaixo da média do setor público.

O que a reforma administrativa correta abarcaria?

As distorções evidenciadas acima permitem que o Estado brasileiro seja responsável por uma série de más alocações de recursos.

Nesse sentido, a proposta deveria criar incentivos para melhorar a prestação de serviços aos brasileiros que, querendo ou não, já pagam por eles. Assim como, valorizar os melhores servidores públicos, gerando inovação dentro do sistema. No entanto, para que isso funcione, a avaliação de desempenho de servidores, bem como a demissão de funcionários ineficientes, deve ser garantida por lei. Assim, desperdícios serão evitados e uma melhor alocação de recursos públicos será feita.

Com este mesmo intuito, os salários recebidos por servidores deveriam ser compatíveis aos pagos pelo setor privado e uma série de carreiras desnecessárias deveria ser desativada no Estado, abarcando o atual escopo do funcionalismo.

Vale dizer ainda que a proposta enviada pelo governo é enxuta desde o ponto de partida. E que vários dos pontos enviados devem ser cortados e amenizados no Congresso Nacional. Por conseguinte, politicamente a perspectiva é de, caso seja aprovada, a PEC promulgada ser ainda mais modesta.

Considerações finais

O estadista alemão Otto von Bismarck dizia que “a política é a arte do possível”. Nesse sentido, politicamente talvez no Brasil atual aprovar uma reforma administrativa que inclua novas regras para os servidores seja difícil. Ressalta-se que a medida se trata de uma PEC, o que exige maioria qualificada em duas votações em cada casa legislativa.

Entretanto, a ideia de que devam ser feitas reformas apenas para a próxima geração deveria ser abandonada. Afinal, estaremos sob pena de o Estado brasileiro estar sempre duas ou três gerações atrasado perante o restante dos países mais desenvolvidos. O debate público brasileiro, por conseguinte, é muito atrasado.

Parafraseando Friedrich Hayek, o papel dos liberais deve ser de “agitadores” para derrubar opiniões correntes hostis à liberdade, ao mercado e a reformas de instituições extrativistas. E isso se aplica à boa parte do funcionalismo público brasileiro.

Daqui a quatro décadas, quando as regras entrarem em vigor para todo o funcionalismo brasileiro, elas já estarão muito desatualizadas perante o mundo. Ou seja, uma reforma administrativa que não abarque os servidores atuais não servirá nem para os nossos netos.

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