“The Fatal Conceit” foi a última da abastada produção de Friedrich von Hayek, economista e filósofo político, reconhecido por muitos como o maior defensor da liberdade política, econômica e individual do século XX. “A Arrogância Fatal”, em tradução livre, ou “Os Erros Fatais do Socialismo”, na adaptação publicada no Brasil”, é uma crítica às ideias de planejamento central.
Para Hayek, este falha em responder às mudanças de necessidades dos agentes econômicos e de cada indivíduo, o que em última análise leva à coerção e restringe a liberdade de todos, transformando o governo em autográfico. O Nobel em Economia de 1974 afirma que o controle econômico não é meramente o controle de uma parte da vida que pode ser separada do restante, mas um controle dos meios para todos os nossos fins. Nesse sentido, a obra corrobora com as conclusões de toda a trajetória do autor, de que “o maior mal é um governo sem limite”.
Essa tese é analisada sobre diferentes aspectos, como histórico, político, econômico e psicológico — aproveitando o amplo conhecimento interdisciplinar comumente presente nas obras do autor.
O autor argumenta que o planejamento central não é capaz de indicar aos indivíduos em qual direção os esforços devem ser realizados a fim de maximizar os resultados pretendidos. Em contraposição, a competição no livre mercado sim. Ao negá-lo, a sociedade pagaria o custo de não se desenvolver o quanto poderia. Por fim, a chave para ganhos de eficiência é a livre competição em busca do lucro, impulsionada por regras institucionais e culturais que criam incentivos virtuosos.
Mais do que isso, a grande questão para Hayek está em quais mecanismos são necessários para garantir a maior liberdade para os indivíduos poderem buscar os seus próprios fins, sem prejudicar o direito de terceiros.
Em contraposição, para Hayek um Estado que inclua as obrigações ou o dever de compartilhar os mesmos objetivos coletivos e centralizados não é compatível com a liberdade. Assim, o governo deveria se limitar a garantir que todos sigam as mesmas regras estipuladas, o chamado Rule of the Law (Estado de Direito).
Nesse sentido, Hayek defende a ordem espontânea, relacionada à regularidade e previsibilidade no mundo. Afinal, a ação humana requer uma avaliação dos custos de oportunidade e consequências das decisões tomadas pelos indivíduos.
São indivíduos que, por meio de interações voluntárias, criam as regras pelas quais as pessoas acabam se organizando. Entre os exemplos defendidos por Hayek está o exemplo da língua, que surgiu por intermédio da comunicação entre as pessoas e que, ainda assim, possui certas regras. “Nós não precisamos de alguém que planeje nossas vidas ou de uma autoridade central”.
Assim, o autor identifica o capitalismo e o sistema de livre mercado como uma ordem espontânea ampliada da cooperação humana. A civilização somente pode ser compreendida quando se reconhece que tal ordem é resultado da evolução de práticas tradicionais e morais, difundidas por seleção evolutiva, que beneficiam os grupos que as adotaram.
Hayek não nega a razão e a necessidade de buscar justiça social por meio de normas e instituições, mas afirma que o capitalismo precisa ser conservado por ser mais capaz de utilizar todo o conhecimento disperso.
Analisa-se que as tradições se originam na capacidade de interpretar fatos observados racionalmente, mas por meio de hábitos de reação (instinto) e, por isso, elas se encontram entre o instinto e a razão. Para o autor, o homem não se desenvolveu fundamentalmente por meio da razão, de forma consciente, mas sim por meio de tradições apreendidas e repassadas entre as gerações. Ele expõe que as civilizações que prosperaram e sobreviveram ao longo da história foram as que as tradições se mostraram mais efetivas.
Esse conjunto de regramentos institucional e cultural fundamental citados por Hayek abrangem o comércio, o respeito à propriedade privada, a poupança e o respeito aos contratos, o denominado pacta sunt servanda (“acordos devem ser cumpridos”).
Entre eles, o estabelecimento e a preservação da propriedade privada são citados como a chave do progresso da civilização no Egito, Império Romano e a expansão do capitalismo na Europa da Baixa Idade Média, muito além de um governo centralizador. Na análise do Nobel, historiadores em geral superestimam o papel dos governos na expansão das civilizações antigas e não atribuem o correto mérito da cooperação espontânea por meio do mercado.
A respeito do comércio, o economista salienta, ainda, como essa atividade, historicamente, foi considerada como algo imoral e desonesta, com a demonização religiosa do lucro desde as civilizações mais antigas. A percepção de escassez e a ação de busca por um suprimento resultante do comércio, como a troca após logística de uma mercadoria entre regiões não era percebida como algo a acrescentar valor ao produto. Para tanto, há críticas à obra de Aristóteles e, posteriormente, Tomás de Aquino, que criaram uma interpretação da doutrina católica da Idade Média.
Ao pretender reescrever os valores morais por meio da razão, desprezando toda a construção evolutiva espontânea ocorrida ao longo do tempo, fundamentais à sobrevivência e à prosperidade, defensores do socialismo buscam mitigar a ordem espontânea em prol de uma perspectiva mais favorável às intervenções governamentais. Para Hayek, seria a arrogância fatal que ele busca alertar.
Vale salientar que outros autores contemporâneos defenderam que a liberdade plena somente seria possível com maior justiça social e distribuição de riqueza, alcançados por meio de algum nível de intervenção governamental. John Rawls, por exemplo, em “Uma teoria da justiça”, argumenta que o Estado deve corrigir as desigualdades na sociedade, como por meio da educação básica, ao criar uma externalidade positiva. São apontamentos que podem ser considerados complementares à tese de Hayek sobre a prevalência da ordem espontânea que originou a sociedade capitalista.
Na última obra que apresentou em sua vida, Hayek premia a humanidade com um livro interdisciplinar que defende instituições que pavimentaram o caminho para o desenvolvimento da prosperidade econômica e social da humanidade. E traz um convite com seu alerta aos indivíduos da sociedade que desprezam o poder do comércio, contratos, propriedade privada, entre outros: “os intelectuais liberais devem ser agitadores, derrubar a opinião corrente hostil à economia capitalista”. O convite está feito: boa leitura!