Embora a reforma da previdência tenha sido pauta amplamente discutida na sociedade entre 2016 e 2019, estados e municípios ficaram de fora do texto aprovado pelo Congresso Nacional. Diante do rombo de R$ 2,36 bilhões anual, a Assembleia Legislativa aprovou ainda no ano passado a reforma da previdência estadual. Mais de duas dezenas de municípios capixabas também seguiram este caminho, mas cidades importantes do ES ainda não a fizeram — e o assunto foi ignorado pelos candidatos no decorrer da eleição.
A preocupação com a situação previdenciária dos municípios não deveria ser recente. O caso de Vitória é simbólico: quando Luciano Rezende (Cidadania) assumiu o cargo há oito anos, o déficit anual registrava cerca de R$ 50 milhões. Sem reformas, ele será neste ano de R$ 152 milhões. O atual prefeito até tentou: enviou a proposta ao legislativo municipal ao final de fevereiro deste ano.
Porém, em ano de eleição a regra é não votar propostas impopulares, e a pandemia foi utilizada como desculpa para nada ser feito. Resultado: perdeu-se prazos estipulados de adequação previdenciária, o que significa que essas cidades podem sofrer sanções federais. Entre elas, ficar sem receber transferências voluntárias da União; impossibilidade de celebrar empréstimos e financiamentos com bancos federais ou mesmo fazer convênios com órgãos da União.
Apesar da gravidade da situação, nada consta a respeito da previdência municipal nos planos de governo dos candidatos que disputam o segundo turno em Vitória. Isso vale tanto para o Delegado Pazolini (Republicanos) quanto para João Coser (PT).
Situação similar se repete em: Barra de São Francisco e Cariacica; Conceição da Barra, Guarapari e Itapemirim; Mimoso do Sul, Rio Novo do Sul, São José do Calçado e Serra.
Não é só no ES
O Indicador de Situação Previdenciária do Ministério da Economia analisa anualmente indicadores relacionados à gestão do sistema de previdência, classificando as cidades brasileiras em quatro notas: A (a melhor), B, C ou D (a pior).
De acordo com o último levantamento, no Espírito Santo, dos 34 municípios com RPPS, 16 apresentaram desempenho insatisfatório (C ou D). E nenhum foi classificado como ótimo (A).
Dois mil municípios brasileiros que têm regras especiais para seus servidores seguem o mesmo caminho de dificuldades. Apenas cinco cidades em todo o país possuem um sistema de previdência avaliado com Nota A.
O Conselheiro do Tribunal de Contas do Espírito Santo Domingos Taufner resumiu a situação: “sem a reforma da Previdência, muitos municípios simplesmente não vão sobreviver”.
Consequências da inércia política
O status quo fará a previdência dos servidores ocupar espaço cada vez maior no orçamento municipal, pressionando por aumento de impostos, endividamentos e retirando dinheiro de áreas essenciais (como saúde, educação e segurança).
Essa situação tende a piorar a qualidade de vida da população e o ambiente de negócios. Isso porque gera desestímulo à atração de empresas, de investimentos e geração de empregos.
Vale lembrar que o Imposto Sobre Serviços é a tributação com maior arrecadação municipal, sendo o segmento de serviços o mais afetado pela atual crise econômica. Em 2020, estados e municípios receberam socorro federal para conseguir fechar as contas. Mas foram raros os casos de cortes de despesas, principalmente, com prefeitos e vereadores priorizando as eleições, o que acende o alerta para o ano que vem.
Mesmo com retomada econômica em 2021, a arrecadação do ISS ainda deve ficar aquém de 2019. Isso em um cenário com tendência a aumento de despesas, com elevação de gastos previdenciários de um lado e ampliação de demanda por serviços públicos do outro. Afinal, boa parte da classe média que utilizava serviços privados em saúde e educação migrou para o SUS e escolas públicas. E, em 2021 não haverá ajuda da União, especialmente para os municípios que não fizeram o dever de casa.
Ou seja: os prefeitos que quando candidatos ignoraram a ameaça da previdência terão de lidar com municípios que terão mais gastos de um lado e menos receitas na outra ponta.
Todos esses temas deveriam ter sido objeto de intensa atenção da sociedade e dos candidatos durante a última eleição, mas a ameaça previdenciária foi ignorada. Como escreveu a filósofa norte-americana de origem judaico-russa Ayn Rand, “você pode ignorar a realidade, mas não pode ignorar as consequências de ignorar a realidade”. Elas virão em 2021.