A recente vitória de políticos de orientação direitista, como Javier Milei na Argentina e Daniel Noboa no Equador, tem gerado especulações sobre uma suposta retomada da direita no cenário político da América Latina. Contudo, uma análise mais aprofundada revela que a dicotomia entre esquerda e direita não é fator determinante nessas eleições, e a interpretação simplista e superficial dessa dinâmica pode levar a equívocos.
A abordagem apressada no debate público, frequentemente influenciada por opiniões superficiais de comentaristas e influenciadores digitais em busca de likes, negligencia nuances cruciais na política latino-americana e análise metodológica e técnica da análise política. É fundamental compreender que o panorama eleitoral é muito mais complexo do que uma mera oscilação entre ideologias opostas.
O que dizem os dados sobre as eleições na América Latina?
Um estudo conduzido por Will Freeman, especialista em América Latina do Council on Foreign Relations, revela que, a oposição foi vitoriosa em 25 das 34 eleições ocorridas desde 2015. Isso indica uma tendência mais consistente de mudança no poder em direção aos partidos oposicionistas, independente de sua orientação ideológica.
Países como Guatemala, Argentina, Peru, República Dominicana, Chile, Brasil, México, Colômbia, El Salvador, Panamá, Uruguai, Bolívia e Honduras viram a alternância de poder entre os principais grupos políticos, sem uma tendência clara ideologicamente, indicando que a população tem buscado frequentemente uma mudança no status quo.
O incumbente venceu somente na Costa Rica, Paraguai, Equador, Nicarágua e Venezuela. Todavia, nos últimos dois países, as eleições não são livres, justas, com os regimes não sendo considerados democráticos. Se retirados da análise, as vitórias dos incumbentes se tornam ainda mais escassas desde 2015.
Políticos anti-sistema na América Latina
Para além disso, nos últimos anos, observou-se uma preferência não somente por candidatos que estavam na oposição, mas “anti-sistema”, aqueles que prometem rupturas radicais com as práticas políticas estabelecidas. Os exemplos incluem Pedro Castillo no Peru, Gabriel Boric no Chile, Jair Bolsonaro no Brasil, Andrés Manuel López Obrador no México, e, mais recentemente, Javier Milei na Argentina.
Há, portanto, um padrão cíclico de descontentamento. Na Argentina, por exemplo, Mauricio Macri, representando a oposição, venceu as eleições, mas na campanha de reeleição foi derrotado por Alberto Fernández. O incumbente perdeu novamente, com a vitória de Milei sobre Sérgio Massa, que integrava o governo de Fernández e tinha seu apoio.
Conclusões
Esse padrão verificado na última década na América Latina sugere que, diante de desafios como corrupção, crise econômica e desemprego, a população busca alternativas que se apresentam vendendo grandes promessas e esperanças, mas rapidamente se desilude se as promessas não forem cumpridas.
O fenômeno parece ser mais uma expressão da busca por mudanças constantes e por candidatos que prometem romper com as estruturas estabelecidas. Nesse sentido, o cenário de partidarismo negativo e polarização contribuem para essa alternância de poder.
A compreensão precisa dessas dinâmicas é crucial para evitar generalizações simplistas que mascaram a complexidade do cenário político na região, como cravar uma teoria fatalista de que há uma onda de direita na América Latina, sugerindo que ela retornará ao poder no Brasil em 2026. Não é bem assim.