Luan Sperandio

Análise baseada em dados, evidências e literatura científica para facilitar a compreensão da política, da economia e do mercado.

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política, economia, filosofia, mercado

O que você pode aprender de gestão com a história da Netflix

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Sair de casa, ir para uma locadora, escolher um filme para alugar por algumas horas para assistir com sua família ou amigos. Repetir esse processo sempre que quiser passar o tempo com uma boa produção audiovisual. Foi assim por décadas, em um mercado dominado pela Blockbuster. Hoje, em poucos segundos, milhares de produções estão a seu alcance na tela de seu celular, tablet, notebook ou smartv. Uma revolução conduzida pela tecnologia e protagonizada pela Netflix, a gigante do streaming, com 220 milhões de assinantes distribuídos em quase 200 países de todo o mundo.

Contudo, ninguém se torna um dos principais nomes das indústrias de entretenimento do mundo por mero acaso. O processo foi construído ao longo de duas décadas, com implementação de uma forte cultura corporativa e estrutura corporativa diferenciada. Essa história é contada em “A regra é não ter regras”, escrita por Read Hastings, CEO da companhia, e pela professora da INSEAD, Erin Meyer.

O Nobel de Economia Friedrich Hayek dizia que “liberdade e responsabilidade são inseparáveis”. Essas duas palavras representam o mantra de cultura da Netflix, sendo apontado como o motivo para o sucesso da companhia em virtude da agilidade e inovação que possibilitam. A obra explora os três pilares para a construção dessa cultura. 

O primeiro é a alta densidade de talento, em que é preciso contratar os melhores e demitir os razoáveis. A premissa é a de que colaboradores preguiçosos, pessimistas ou com maus comportamentos reduzem a eficácia mesmo daqueles de alto impacto e que, sem esses, a produtividade seria multiplicada. Em suma, é preciso ter um all star, isto é, um time somente composto por estrelas.

Para tanto, é necessário pagar salários maiores do que a média do mercado, incluindo cobrir ofertas de concorrentes. Afinal, perder uma estrela do time e seu potencial multiplicador seria muito mais caro em médio e longo prazo em um segmento disruptivo e que demanda alta inovação.

Uma metáfora utilizada para se definir a diferença entre a Netflix e outras organizações empresariais é a entre um time desportivo e uma família — como muitas empresas se definem. Afinal, a despeito de uma família ter um conjunto apoio recíproco, em virtude dos laços criados, má performance e comportamentos inadequados são tolerados. Em comparação, em um time composto por grandes estrelas, todos querem jogar, independentemente da posição ocupada. Além disso, uma performance ruim é respondida com substituições, demissões ou mudanças táticas e estratégicas. A estratégia ainda é composta por bônus a partir do desempenho e gestão focada em objetivos.

Em 2018, profissionais dos Estados Unidos elegeram a Netflix como o melhor lugar para se trabalhar, de acordo com levantamento da Hired.

Outro pilar da cultura da companhia é a sinceridade. Afinal, todos podem aprender e crescer a qualquer momento. Assim, construiu-se um safe space (espaço seguro), em que é estimulado expressar opiniões abertamente. A premissa é de que isso diminui a fofoca, as traições e a politicagem. Assim, o feedback é visto como um presente ao locutor. A premissa é que um colaborador somente pode falar de outro o que você falaria na cara da pessoa. 

Para tanto, é preciso que o feedback dado seja construtivo, focado na mudança de comportamento, com uma ação específica, dizendo com clareza a ação específica que muda o comportamento. Por outro lado, o interlocutor deve sempre agradecer o presente recebido, ouvindo a todos, mas tendo a opção de aceitá-lo ou descartá-lo, seguindo aquilo que acredita fazer sentido. 

O feedback pode ser dado em qualquer lugar, mas para estimular ainda mais essa cultura, a empresa abraçou o Feedback 360º. Trata-se de uma ferramenta em que a equipe pode compartilhar as práticas que individualmente são vistas como elogiosas e os pontos de melhoria para maior desempenho.

A terceira estrutura do pilar é a redução de controles. Ela busca eliminar políticas e regras que potencialmente travam a criatividade, promovendo a liderança pelo contexto, preponderante sobre o controle.

A ideia é que o maior risco no segmento da Netflix é não inovar, tendo como premissa que os funcionários são adultos e responsáveis, logo, deve-se confiar neles, permitindo que ousadas propostas sejam conduzidas sem necessariamente passar pela alta gestão da companhia. O autor argumenta que ter infinitas aprovações é a morte da criatividade.

Caso as iniciativas levem a um fracasso, a resposta não deve ser de fazer estardalhaço, mas de compartilhar os aprendizados com os demais colaboradores. Essa receita é apontada por Hastings como a chave de maior velocidade, crescimento e performance da Netflix.

Entretanto, ao final de 2022, o futuro da empresa é visto por muitos analistas, gestores e investidores com ceticismo. Afinal, ela caiu 75% entre novembro de 2021 e março de 2022. Os fatores apontados são a menor demanda após o fim de políticas de isolamento social adotados como combate à pandemia, a alta da inflação e o fato de que 10% das pessoas utilizam senhas compartilhadas.

Ademais, o mercado criado pela pioneira Netflix hoje concorre com diversos players, como Amazon Prime Video, Starplus, HBO, Hulu, Paramount, Discovery e Apple TV — esta última conseguiu vencer o Oscar antes da Netflix em sua primeira tentativa, com o filme Coda (2021). Já a Disney+, que foi lançado em novembro de 2019, já superou o número de assinantes da Netflix em âmbito global. 

Com a nova dinâmica, há uma taxa de rotatividade entre os usuários nas plataformas estimada em 30%, o que restringe a estratégia de receita recorrente da Netflix.
Contudo, independente do futuro da Netflix, “A regra é não ter regras” é uma obra com insights valiosos para empreendedores que estão em cargos de liderança e/ou pessoas responsáveis por gerenciar funcionários em uma empresa.

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