Luan Sperandio

Análise baseada em dados, evidências e literatura científica para facilitar a compreensão da política, da economia e do mercado.

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política, economia, filosofia, mercado

Como o Brasil pode melhorar o seu ambiente de negócios

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ambiente de negócios

Estudo da TMF Group, uma das consultorias empresariais mais prestigiadas do mundo, apontou que investidores ainda temem investir no Brasil, e aguardam reformas econômicas antes de apostar no país. Segundo o levantamento, o país poderia atrair até US$150 bilhões se tivesse um ambiente de negócios melhor. Outros levantamentos apontam valores ainda superiores. Após a aprovação do Marco do Saneamento Básico, por exemplo, estimativa do Goldman Sachs apontou que o país atrairia R$500 bilhões de investidores.

Na prática, o Brasil está deixando de atrair investimentos e empresas, de gerar empregos e aumentar a renda dos brasileiros por conta de um ambiente de negócios hostil ao empreendedorismo.

Segundo o estudo anual do Banco Mundial, o país ocupou a 124ª colocação no ranking de facilidade de se fazer negócios em 2019. Em janeiro daquele ano, o presidente Jair Bolsonaro prometeu no Fórum Econômico Mundial de Davos que estaremos entre os 50 melhores até o final de seu mandato. Contudo, apesar de melhoras em alguns indicadores, outros países estão evoluindo mais rapidamente, dificultando a concretização da promessa e também tornando outros países comparativamente mais interessantes de se investir do que o Brasil.

Em suma, há diversas reformas que precisam ser feitas para mudar esse panorama e fazer o país atrair todo esse dinheiro. Assim, abaixo estão alguns diagnósticos de estudos e o que dizem especialistas; além de relatar o que o governo Bolsonaro e o Congresso Nacional estão fazendo a respeito de cada uma dessas áreas.

Reforma tributária

Segundo o levantamento Doing Business, uma empresa no Brasil gasta, em média, 1.501 horas por ano apenas para pagar impostos. O segundo país com maior complexidade tributária é a Bolívia, em que uma empresa gasta um terço a menos deste tempo. Além de Brasil, Bolívia, Venezuela e Equador, nenhum outro país sul-americano gasta mais que 400 horas ao ano para pagar impostos.

O resultado prático é que, em vez de investirem em inovação, competitividade e baratear produtos, as empresas que atuam no Brasil precisam contratar um exército de advogados e contadores. Eles ficam responsáveis por fazer planejamentos tributários, elisão fiscal e calcular a quantidade de tributos que o Fisco exigirá da empresa.

Um levantamento realizado ao final de 2017 pela Endeavor constatou que 86% das empresas brasileiras têm alguma pendência no pagamento de tributos ou no cumprimento de determinações de órgãos federais.

Segundo o economista e mestre em Estatística Thales Nogueira, isso significa que o sistema tributário brasileiro inibe investimentos de grandes grupos empresariais interessados em atuar no país. Além disso, ele alerta: “A atuação de empreendedores que buscam transformar uma boa ideia em um negócio promissor também acaba sendo prejudicada”.

Nogueira aponta ainda a necessidade de uma reforma que diminua as distorções distributivas do sistema. “Sócios de empresas de lucro presumido ou do Simples, por exemplo, pagam muito menos impostos sobre seu trabalho do que um trabalhador formal por causa da tributação da folha de salários e Imposto de Renda”, afirma.

Por fim, o economista diz que o sistema tributário brasileiro têm distorções competitivas. Segundo ele, “há efeitos muito negativos sobre a produtividade por causa de distorções em virtude basicamente do modelo brasileiro de tributação de bens e serviços”.

Segurança jurídica e recuperação de crédito

Estudo de 2015 publicado pelo Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil apontou que a despesa brasileira com o Judiciário é 10 vezes superior ao gasto de países como Espanha, Argentina e Estados Unidos em relação ao PIB. Apesar de tantos recursos, o Judiciário brasileiro é considerado moroso, ineficiente e abarrotado. Não à toa, segundo o Datafolha, apenas 20% dos brasileiros com ensino superior confiam na Justiça.

A ineficiência das proteções legais a credores faz com que o país tenha apenas a 104ª posição em facilidade de obtenção de crédito, segundo o Doing Business.

Essa também foi a conclusão de um levantamento de pesquisadores da Ibre/FGV. A cada US$1 emprestado no Brasil que não foi pago em dia, apenas US$0,13 são recuperados pelo credor. Assim, estamos entre os piores indicadores do mundo, atingindo apenas um terço da média mundial. Tudo isso após, em média, quatro anos e meio de processo de execução judicial.

Para efeito de comparação, no Reino Unido, a taxa de recuperação é de US$0,89 para cada US$1 emprestado, e o processo de execução dura cerca de um ano e meio.

Segundo o advogado e doutor em direito civil Luciano Timm, ordenamentos jurídicos que conferem maior liberdade aos agentes econômicos tendem a gerar maior prosperidade. A explicação é que eles permitem que o mercado resolva a maioria dos problemas alocativos de produção e de consumo. “Já ordenamentos jurídicos que dão muita possibilidade de interferência de reguladores e de juízes nos contratos, como é o caso brasileiro, tendem a trazer insegurança jurídica e piorar o ambiente de negócios”, afirma.

Falência e recuperação judicial

O advogado e professor de Direito Empresarial da Universidade Federal de Santa Catarina Orlando Silva Neto afirma que há uma série de problemas envolvendo falência e recuperação judicial no Brasil. “Não há obrigação de requerer recuperação judicial, então ela só ocorre quando a dívida da empresa já está praticamente irrecuperável”, afirma.

Segundo ele, não há na atual legislação um sistema adequado que permita ao credor rejeitar o plano de recuperação proposto. “Na prática, ou se aprova ou se decreta a falência, mas no caso da falência o valor a ser recuperado pelo credor tende a ser zero”, explica.

O advogado afirma que muitas vezes há elementos para a falência de uma empresa ser decretada, mas magistrados exigem obrigações além da legislação e não o fazem, em uma forma de ativismo judicial. “Isso encarece o crédito, já que o credor não executa suas garantias e empresas ficam sem incentivos para se reorganizarem”, diz.

“Na prática a legislação não cumpre o objetivo de recuperar a empresa de verdade, não recupera crédito, não mantém a empresa produtiva e ainda pode ser caracterizada como concorrência desleal, já que há alguns privilégios na atuação da empresa, como o não recolhimento de tributo”, critica.

Silva Neto também critica o fato de as normas processuais no Brasil serem “extremamente favoráveis” ao devedor. “Há diversas formas de defesa, recursos e mecanismos processuais para se estender uma dívida por muito tempo, além da morosidade do Judiciário”, afirma.

“Se há prova de bom direito da existência do crédito, o devedor deveria ficar privado de seu patrimônio desde o início da ação, pois há formas de não haver prejuízos em caso de sentença favorável ao devedor. Se não há expectativa de pagamento imediato, a situação fica muito confortável para o devedor”, complementa.

Alternativas que podem aprimorar o ambiente de negócios neste cenário

Há diversas resoluções para haver maior segurança jurídica no Brasil e melhorar o sistema de recuperação de crédito. Em primeiro lugar, os contratos precisam ser efetivamente cumpridos e executados, sendo necessárias maiores garantias de retorno nas cláusulas. Além disso, precisa-se de maior previsibilidade aos contratos. Finalmente, reformar a Lei de Falências e o Código de Processo Civil é outra medida necessária.

Ainda no governo de Michel Temer, o Ministério da Fazenda encaminhou projeto de lei que tramita em regime de urgência na Câmara para reformar a Lei das Falências. Entre os principais pontos estão a busca por um maior reequilíbrio do poder dos credores; a restrição do pagamento de dividendos a acionistas; e a possibilidade de apresentação de planos de recuperação por eles. Entre os debates da pandemia, o projeto que aprimora a Lei das Falências foi aprovado na Câmara dos Deputados em agosto de 2020. Agora, depende de uma votação no Senado, contudo.

Desburocratização

O Brasil está entre os 20 piores países para se obter um alvará de construção entre os 190 avaliados pelo Doing Business. Isso porque é o segundo pior entre os 13 indicadores analisados, atrás apenas do quesito complexidade fiscal.

Na avaliação do engenheiro civil Saint-Clair Côgo, os municípios muitas vezes não têm nem sequer padronização de exigências, fora a enorme burocracia para conseguir a liberação de uma prefeitura mesmo para procedimentos mais banais.

“Algo que deveria ser simples acaba envolvendo vários setores. Para reformar uma calçada, por exemplo, é preciso informar a prefeitura, aguardar uma visita do técnico, solicitar interdição da via, aguardar a liberação, solicitar o serviço de avaliação e tosa de árvores, etc. Apenas depois disso tudo, pode-se iniciar as obras. E, após concluí-las, é preciso aguardar novamente uma visita técnica do fiscal do órgão”, explica.

Para ele, o resultado de tanta burocracia é que construções são feitas burlando o sistema para economizar tempo e dinheiro. Especialmente para reformas e em regiões longes dos grandes centros, em que a capacidade de fiscalização é menor.

Nesse sentido, a consequência econômica, segundo o Doing Business, é a inviabilização das operações de grandes projetos. Em outros casos, podem se tornar menos atrativas financeiramente em virtude da demora em obter alvarás de construção.

Lei de Liberdade Econômica

Mas o governo federal já aprovou normas para começar a reverter esse quadro. Decretado em 2020, o chamado Licenciamento 4.0 regulamentou a Lei da Liberdade Econômica. Esta legislação estabelece uma regra geral de dispensa de atos públicos para liberação de atividades consideradas de baixo risco, como licenças, alvarás, permissões e autorizações.

Assim, municípios terão de classificar o que seriam construções de baixo risco, risco moderado e de alto risco, segmentando o licenciamento conforme esse parâmetro. A ideia é eliminar burocracia ineficaz e concentrar esforços do poder público direcionados às situações que de fato demandem atenção do Estado.

Para tanto, todos os municípios terão de legislar sobre o tema até 1.º de junho de 2020. Caso isso não seja feito, todos as atividades serão automaticamente classificadas como “risco II”, em que há procedimentos mais simples de liberação, como auto declaração.

Equilíbrio das contas públicas também contribui para um ambiente de negócios melhor

Desde 2014, o Brasil não consegue fechar um superávit primário, isto é, o resultado das finanças públicas antes do pagamento dos juros. Em 2019, o rombo ficou em R$137,6 bilhões.

O então Secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, admitiu à época que as contas devem ficar no vermelho até 2023. Isso significa que, ao contrário do prometido por Paulo Guedes nas eleições, o governo Bolsonaro não deve fechar com as contas no azul em nenhum dos quatro anos de seu mandato. Isso embora tenha conseguido – já no primeiro ano – ter aprovado a reforma da Previdência, fundamental para as contas públicas. Tudo isso antes da pandemia.

Para o mestre em economia Guilherme Tinoco, é essencial para um bom ambiente de negócios de um país que o governo consiga reequilibrar as contas públicas. “Desequilíbrios fiscais, que alimentam perspectivas de uma dívida pública crescente, são prejudiciais ao ambiente econômico. Eles trazem bastante incerteza em relação ao futuro”, afirma.

Segundo ele, as contas públicas desequilibradas fazem os agentes econômicos temerem por problemas no futuro, como: inflação elevada; alta de impostos; ou mesmo calote da dívida. “Isso certamente não favorece a atividade privada, o empreendedorismo e a tomada de risco. É preciso tomar medidas para garantir a sustentabilidade fiscal”, complementa.

Em suma, a dívida bruta brasileira estava na casa dos 80% antes da pandemia, enquanto países emergentes têm uma dívida bruta na casa dos 50%. Era neste patamar que o Brasil estava em 2014. Com a crise, porém, o Estado brasileiro gastou.

Combate à corrupção

Em 2019 o Brasil caiu nove posições no estudo da Transparência Internacional sobre percepção de corrupção. Entre os 180 países analisados, o Brasil ocupa a 105ª posição no ranking que avalia os riscos de integridade no setor público, sendo comparável a países como Argélia, Armênia, Costa do Marfim, Egito, El Salvador, Peru, Timor Leste e Zâmbia.

Já no quesito integridade governamental da Heritage Foundation, o score brasileiro é de apenas 28,1 em uma escala que vai até 100.

Há extensa literatura acadêmica sobre como o combate efetivo à corrupção melhora o ambiente de negócios ao impedir concorrentes corruptos de atuarem no mercado e facilitar a operação de empresas íntegras. Assim, leis anticorrupção nivelam a competição, eliminando atalhos, trapaças e aplicações arbitrárias da legislação em benefício dos corruptores.

Em outras palavras, a corrupção favorece empresas menos eficientes e produtivas por meios ilícitos, restringindo a competição ao afastar investimentos de empresas íntegras. Em especial, aquelas de capital externo.

Para o advogado especialista em compliance e mestre em Corrupção e Governança pela Universidade de Sussex Carlos Henrique Barbosa, a corrupção perpetua uma lógica burocrática ineficiente, sendo uma marca de países subdesenvolvidos. “Pagar propinas é premiar a ineficiência, aumentar os custos de entrada de novos agentes econômicos e afastar investidores estrangeiros cujos países têm leis mais rígidas a respeito”, afirma.

Em sua opinião, a confusão em torno do Coaf e a mudança de entendimento de prisão em segunda instância pelo Supremo Tribunal Federal, em novembro, foram reveses no combate à corrupção no Brasil em 2019.

Acabar com o Foro Privilegiado

Além disso, desde dezembro de 2018, a Câmara dos Deputados já poderia ter votado a PEC que acaba com o foro privilegiado. No entanto, nada aconteceu nesse sentido. Para Barbosa, a prisão é um elemento dissuasório de extrema relevância para efetivo combate à corrupção. Por outro lado, impulsionada por manifestações de rua, projetos acerca da prisão em segunda instância tramitam tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados.

“Quem comete esse tipo de crime é quem está em posição de poder. O foro privilegiado e a impossibilidade de prisão após segunda instância diminuem as probabilidades de prender um corrupto, o que acaba por incentivo à corrupção”, diz Barbosa.

Privatizações e abertura de mercado

No período da campanha, o Ministro da Economia Paulo Guedes afirmou que conseguiria entre R$700 a 800 bilhões a partir da venda de participação do governo nas estatais. Após assumir o Ministério da Economia, suas projeções aumentaram: R$ 1,25 trilhão para os cofres públicos.

A realidade, porém, é bastante diferente e desfavorável ao ambiente de negócios brasileiro. Antes de completar 100 dias de governo, o então Secretário de Desestatização Salim Mattar declarou estar “frustrado” com o andamento dos trabalhos.

Mais para o fim do ano, o governo informou que havia batido a meta de privatizações; vendas de ações em empresas; concessões e vendas de ativos naturais com folga. Isso porque foram cerca de R$100 bilhões em 2019, ante um objetivo inicial de US$20 bilhões. Mas nem um centavo desse total veio da venda de estatais de controle direto.

O problema é que o processo de venda ou fechamento de uma estatal de controle direto é complexo, podendo levar até dois anos. Entre as etapas obrigatórias estão, por exemplo, a qualificação no Programa de Parcerias e Investimentos; ser incluída no Programa Nacional de Desestatização (PND); e a realização de estudos de modelagem e viabilidade econômica. Após isso, ainda é necessária a realização de consultas públicas, análise do TCU e publicação de edital. Além disso, algumas estatais de controle direto também precisam passar pela aprovação do Congresso.

Por fim, entre empresas de controle direto e subsidiárias, o mandato de Jair Bolsonaro começou com 208 estatais. Desta lista, apenas cinco foram privatizadas, incorporadas ou extintas, sendo todas subsidiárias: quatro delas da Petrobras e uma do Banco do Brasil.

Considerações finais

Na avaliação do economista e editor do Terraço Econômico Caio Augusto, ampliar a participação privada nos setores é benéfico porque restringe a capacidade do Estado de se corromper e favorecer “empresas amigas”. “As alocações passam a ocorrer por direcionamento de resultado e não de compadrio, o que melhora a competição e o ambiente de negócios”, afirma.

Finalmente, ele frisa também que regulações são necessárias quando o Estado deixa de prover o serviço para evitar a formação de grandes oligopólios. Com isso, as privatizações tendem a melhorar a prestação de serviços ao público e a dar mais eficiência nas administrações, o que atrai mais investimentos para o ambiente de negócios de um país.

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