A aclamada obra “Como as democracias morrem”, dos cientistas políticos que ministram aulas em Harvard Steven Levitsky e Daniel Ziblatt é categórica sobre os riscos para as instituições democráticas ao se criminalizar difamação ou injúria.
Os autores contam que, em 1798, os federalistas aprovaram a chamada “Lei de Sedição”. Contudo, embora, em tese, criminalizasse apenas afirmações falsas contra o governo, sua construção foi tão vaga que, na prática, ela criminalizou qualquer crítica ao governo. A lei foi utilizada para atacar jornais e ativistas do Partido Republicano até sua revogação.
Os autores alertam sobre o perigo de governantes que possuem a propensão a restringir liberdade civis de oponentes ou da mídia, além de apoiar leis ou políticas que restrinjam liberdades civis, como expansões de leis de calúnia e difamação ou leis que restrinjam protestos e críticas ao governo ou certas organizações cívicas ou políticas. Escrevem os autores:
“Uma coisa que distingue autocratas de líderes democráticos contemporâneos é sua intolerância à crítica e a disposição de usar seu poder para punir aqueles que – na oposição, na mídia ou na sociedade civil – venham a criticá-los.”
Exemplos de autocratas que ameaçam a liberdade de imprensa
Em um comício em Fort Worth, Texas, em 2016, Trump prometeu:
“Vou ampliar o escopo de nossas leis de calúnia e difamação para que, quando eles escreverem artigos propositadamente negativos, horríveis e falsos, nós possamos processá-los e ganhar muito dinheiro […] Para que quando o New York Times escrever matérias tendenciosas tentando mudar a opinião das pessoas, o que é uma desgraça total, ou quando o Washington Post […] escrever uma dessas matérias, nós possamos processá-los.”
As leis que criminalizam expressões, como as defendidas por Trump, são frequentemente utilizadas por governos a partir de sua influência sobre árbitros — como juízes — a fim de marginalizar “legalmente” a mídia de oposição, com frequência por meio de processos de calúnia ou difamação.
Quando no poder, por exemplo, o presidente equatoriano Rafael Correa utilizou essa estratégia. Em 2011 ele ganhou em ação 40 milhões de dólares em um processo de calúnia contra os proprietários e o editor do jornal El Universo, que publicaram um editorial que denunciava suas posturas autoritárias rotulando-ode “ditador”. O processo teve pressões sobre a imprensa, que passou a praticar autocensura para evitar mais retaliações.
Os autores também advertem para o perigo de declarações de governantes contra a mídia, como discursos que prometem puni-la. Muitos desses políticos cruzam a fronteira entre palavras e ação.
Quando meios de comunicação são atacados, outros entram em alerta e passam a praticar a autocensura: a escalada de ataques do então presidente da Venezuela Hugo Chávez em meados da década de 2000 foi decisiva. O resultado foi que uma das maiores redes de televisão do país, a Venevisión, considerada pró-oposição, mal cobriu a oposição durante a eleição de 2006, dando ao presidente Chávez 84% do tempo de cobertura — quase cinco vezes mais do que aos seus rivais —, e contribuindo para sua vitória naquele ano. Posteriormente a Venevisión decidiu colocar em sua grade programas de astrologia e novelas, acabando com a cobertura política.
Considerações finais
Os crimes contra a honra, tipificados no Código Penal brasileiro, representam uma porta para a classe política buscar silenciar críticos e a própria mídia. Muito se fala sobre a defesa da liberdade de expressão no Brasil; restringir o alcance da calúnia, difamação e injúria, tanto legalmente quanto na doutrina jurídica e jurisprudência representa fechar essa porta de ataque à liberdade de expressão e de imprensa.