Marcos Lisboa é um dos economistas mais influentes da história recente do Brasil. Atual diretor do Insper, o professor Lisboa desenvolveu o termo “agenda republicana”, que pode ser resumido, segundo o próprio Marcos, em “tratar iguais como iguais”.
O propósito é fugir dos eternos “voos de galinha”, e buscar um crescimento sustentável. Para tanto, é preciso retirar os privilégios de grupos de interesse, estabilizar as contas públicas, reformar o complexo sistema tributário, promover uma abertura comercial e adotar políticas públicas com base em evidências. Afinal, dinheiro público não é capim, sendo essencial que cada centavo seja administrado da melhor forma pelo poder público.
Selecionei 5 vídeos essenciais de Lisboa para compreender o Brasil.
1. Brasil Velho versus Brasil Novo
Lisboa inicia sua explanação alertando sobre a inércia característica do brasileiro ao tratar das nossas questões econômicas. Segundo ele, isso agrava o quadro vigente: quanto mais espera, mais severas deverão ser as medidas.
No contexto da palestra, o Brasil passava pelo auge da crise previdenciária: um grupo de pessoas mais velhas crescendo enquanto a População Economicamente Ativa (PEA), principal responsável pela arrecadação estatal, não acompanha esse ritmo de crescimento. Entretanto, economistas alertam sobre esse problema há décadas e, na contramão da tendência global, o Brasil permaneceu inerte.
Além disso, o Diabo Loiro (apelido atribuído ao economista) alerta para a situação da previdência dos estados e municípios. Isso porque, graças a sistemas privilegiados, os servidores públicos se aposentam mais cedo do que a maioria da população — até mesmo antes dos 50 anos — historicamente com direito à aposentadoria integral, bancada com os recursos desses entes da federação.
Para exemplificar a situação, Lisboa mostra como o Brasil e o Japão gastam a mesma quantidade em previdência, a despeito dos nipônicos terem três vezes mais aposentados do que o Brasil.
Nesse sentido, isso afeta a vida de todos os brasileiros, afinal, gasta-se muito cobrindo o rombo previdenciário, em detrimento de políticas públicas eficientes. Os reflexos disso são serviços de pior qualidade, aumento da carga tributária, alta da inflação, dentre outros. Dessa forma, prejudica-se o ambiente de negócios nacional, afastando investidores, o que empobrece o país.
Porém, Marcos Lisboa considera que “a maré está virando”, como dizia o Nobel em Economia Milton Friedman. De acordo com ele, cada vez mais brasileiros se interessam pelos negócios e se esforçam para alcançarem seus objetivos sem depender de subsídios governamentais.
Assim, o Brasil passa por um período de transição: de um lado, um país paternalista cuja população estava acostumada com privilégios e subsídios; do outro, o novo Brasil, alicerçado no empreendedorismo e nas ideias de liberdade. Precisamos aproveitar essa janela de oportunidades!
O vídeo:
2. Os motivos da baixa produtividade no Brasil
Nessa apresentação, Lisboa parte do exemplo da crise no setor automobilístico para explicar a baixa produtividade no Brasil. Segundo ele, esse setor é o culpado por sua própria crise. Isso porque pressionou governos durante anos para que suas demandas fossem atendidas, o que proporcionou comodidade; diminuiu a produtividade, sua competitividade e sua eficiência.
Essa crise de produtividade gera frutos amargos para o cidadão e tem raízes diferentes do que muitos pensam.
A maior parte da diferença de produtividade entre os países não decorre da diferença setorial, ou seja, de qual é o nível tecnológico da produção, mas sim das melhorias dentro dos setores. Isto é, decorre do fluxo natural de uma economia de mercado, em que eficiência de uma empresa deve ser a régua utilizada para medir sua necessidade na sociedade.
Ele explica como há uma correlação negativa entre subsídio e produtividade das companhias. Estudos empíricos sobre esse assunto concluíram que países pobres costumam ter uma coisa em comum: empresas velhas, pequenas e ineficientes, subsidiadas pelo Estado. A consequência é que se gasta muito capital produzindo pouco, com baixa produtividade, o oposto do necessário para buscarmos maior desenvolvimento.
Nessa linha de raciocínio, não é por acaso que o setor automobilístico, o mais protegido pelo governo, passa por tamanha crise de eficiência.
Para mostrar como a ausência de subsídio favorece um setor, Lisboa cita a agricultura brasileira. Esse ramo passou por uma abertura comercial no século passado, que, aliada a incentivos para o desenvolvimento de tecnologias, favoreceu a produtividade. Enquanto algumas fazendas não sobreviveram à competição externa, as que passaram por esse processo de adaptação se fortaleceram e aumentaram o rendimento.
Um detalhe: Lisboa afirmou tudo isso em evento promovido pelas maiores montadoras do país, protegidas por privilégios tributários.
3. Por que o Brasil insiste nos mesmos erros, esperando resultados diferentes?
O histórico de políticas econômicas do Brasil não varia com o passar das décadas: as respostas para as mesmas crises são as mesmas, com os resultados também sendo os mesmos. Segundo Lisboa, esperamos resultados diferentes para ações iguais.
A pobreza resultante de políticas públicas ineficientes no Brasil remonta a história, acusa-se o investidor estrangeiro de explorar as riquezas do país, considera-se a indústria como a grande produtora de riquezas capaz de carregar a economia nas costas. Em contrapartida, ignora-se as especificidades naturais com potencial lucrativo em nome de planos econômicos abrangentes.
Lisboa explica que as nações enriquecem com base no comércio, desenvolvem diferentes partes da linha de produção, de acordo com as especializações, e comercializam entre si. Entretanto, historicamente o Brasil não seguiu essa estratégia de desenvolvimento. Na realidade, o país optou por realizar em seu próprio território a maior parte das etapas de produção, a despeito da capacidade logística e técnica para tanto.
Ao mesmo tempo, o governo concede subsídios e incentivos para essas companhias. A consequência dessa política foi empresas pouco produtivas, mas com muitos anos de atuação (empresas velhas) e que não eram capazes de competir com o mercado internacional.
Ele critica a falta de um debate público eficaz ao longo da Constituição de 1988, e que governos na sequência que fizeram reformas, como a abertura econômica, não vieram por um pensamento de longo prazo, mas por reação às crises.
O economista defende que diferentes setores devem abrir mão de seus privilégios, com os iguais sendo tratados como iguais, com políticas públicas atendendo aos mais vulneráveis. Tudo de acordo com a literatura econômica e exemplos bem sucedidos no mundo.
4. Por que o Brasil ainda é pobre, e como construir o país do futuro no presente
Lisboa traça um diagnóstico do caso brasileiro para identificar os maiores desafios do país, inicialmente comparando o crescimento do PIB per capita entre 1994 e 2015, mostrando que o crescimento brasileiro foi muito aquém de países pares: emergentes fora da América latina (127%), Estados Unidos 48%, países da OCDE, 35% e Brasil (18%).
O diabo loiro inicia sua fala deixando claro que o Brasil ainda é um país pobre, na medida em que produz menos renda com o mesmo volume de capital e trabalho que os países ricos. Ele destaca alguns dos motivos pelos quais essa é a realidade.
- Educação de baixa qualidade: gasta-se muito, e muito mal, não são observados resultados do investimento, o jovem não frequenta a escola, os resultados dos testes não evoluem, prejudicando a formação de capital humano qualificado;
- Problemas de governança: faltam instituições sólidas para estabelecer as regras do jogo, possibilitando liberdade contratual, para que seja possível diminuir os conflitos, o que diminuiria a sobrecarga do judiciário, promovendo um círculo vicioso positivo. Isso posto, o nó que é preciso desatar é imenso, não sendo apenas uma medida simples proposta por um político populista que resolverá;
- Sistema tributário inadequado: o sistema vigente é confuso, com várias nuances, não é parecido com o modelo adotado por outros países que deram certo. A reforma tributária não será pauta popular, mas é necessária. Dessa forma, as mudanças devem ser graduais, na forma de uma transição tributária. Com certeza o custo desse processo será alto, porém, ele deve ocorrer.
Sintetizando, é preciso combinar abertura econômica, simplificação tributária e um quadro técnico de especialistas para analisar as especificidades de cada região do país, com foco no menor impacto dessas políticas reformistas nos mais vulneráveis.
5. Contra a Teoria Econômica Criativa: Ortodoxia X Heterodoxia Econômica:
Marcos Lisboa inicia sua apresentação afirmando que há muita confusão sobre os métodos científicos, quando se discute as discordâncias entre ortodoxos e heterodoxos. No Brasil, há uma antiga tradição heterodoxa, que vem das velhas tradições interpretativas do início do século XX do país. Essa linha de raciocínio consiste em uma estrutura conceitual a priori e, com base nisso, na proposição de alguma interpretação da estrutura econômica e de soluções.
O estudioso da economia costuma se ‘filiar’ a uma corrente de pensamento que, por sua vez, tem base em diferentes fases de autores clássicos. Os fatos são analisados com base nessas ideias, e cria-se a narrativa.
No Brasil, a ortodoxia é semelhante ao que a economia em geral se tornou fora do Brasil. Isto é, não existe essa dicotomia heterodoxos versus ortodoxos fora do país. A ortodoxia aborda os problemas de outra forma: tem base na teoria pura, nos argumentos formais da lógica para estabelecer relações de causalidade nas circunstâncias estudadas. São resultados formais não empíricos transmitidos através de linguagem formal mais aparentados na matemática que nas ciências sociais.
Nessa corrente, Lisboa explica que o discurso de autoridade não é válido, mas sim a aplicação da teoria. Além disso, os ortodoxos repudiam as falsas analogias, a comparação de dados que nada tem a ver para chegar a conclusão esperada. É o caminho para basearmos a tomada de decisões.
Palestra bônus
Mediei palestra na Libertycon Recife em maio de 2023 discutindo o papel do Banco Central independente em evento com a economista Zeina Latif e, justamente, Marcos Lisboa. Assista abaixo: