Muitas pessoas, ao se interessarem pelas ideias liberais, tendem a focar apenas nos problemas causados pelo Estado, criticando tudo o que está relacionado a ele. Com isso, acabam ignorando as possíveis consequências negativas geradas pelo mercado, que muitas vezes dependem da intervenção estatal para equilibrar e mediar essas questões.
Nesse sentido, a própria doutrina do Liberalismo estabelece que devemos observar as práticas econômicas que a literatura especializada aponta como resultantes nos melhores resultados. Assim, reconhece-se que o livre mercado nem sempre garante eficiência econômica, havendo exceções decorrentes das chamadas falhas de mercado.
Essas falhas de mercado são conhecidas como externalidades e surgem devido às escolhas de um agente econômico que afetam o bem-estar de outros, gerando efeitos adversos ou positivos. Isso ocorre porque a qualidade de nossas decisões individuais nem sempre é refletida nos preços de mercado disponíveis.
Um exemplo clássico dessas externalidades é a escolha do meio de transporte utilizado nas vias públicas. Embora o uso do transporte coletivo, bicicletas e sistemas de carona sejam mais benéficos para o trânsito e o meio ambiente, os critérios considerados pelo indivíduo provavelmente não se limitarão a esses aspectos e, na maioria das vezes, nem mesmo serão levados em consideração.
Ao optar por usar o próprio carro, o indivíduo leva em conta o tempo economizado ao chegar ao destino, o conforto da viagem e os custos envolvidos, como combustível, desgaste do veículo, desvalorização e custos de estacionamento. Esses custos são chamados de custos privados na literatura econômica.
No exemplo mencionado, a intervenção governamental poderia ser necessária por meio de incentivos que incorporassem os custos sociais nas decisões individuais. Isso ocorre porque, sem a intervenção do governo, o sistema de preços não leva em conta os custos sociais, mas apenas os privados.
Dessa forma, se a legislação exigir a incorporação dos custos sociais nas decisões que afetam a sociedade, a escolha final estará mais alinhada com o impacto das ações e resultará em um equilíbrio mais eficiente. Um exemplo disso é a cobrança de taxas para evitar congestionamentos, que já é adotada em várias cidades ao redor do mundo. Em Londres, por exemplo, é cobrada uma taxa de 5 libras esterlinas para que cada carro circule nas ruas nos dias úteis desde 2003. Isso resultou em uma redução no uso de veículos individuais e um aumento significativo no uso de bicicletas e transporte coletivo, o que levou a uma redução nos congestionamentos.
Além desse exemplo, outras externalidades negativas incluem o consumo de tabaco, as mudanças climáticas causadas pela ação humana e a poluição sonora, do ar e dos oceanos. Não se questiona a existência desses problemas, mas sim o formato das políticas públicas para lidar com cada um deles sem prejudicar excessivamente o setor produtivo e sem gerar falhas governamentais que possam comprometer o bem-estar social.
Abordar as externalidades negativas é apenas um dos exemplos aceitos pelo liberalismo. Também podemos mencionar a redução da assimetria de informações, a abordagem do problema dos bens públicos e naturais e o combate à formação de monopólios privados, entre outros.
Em outras palavras, o Estado é como a gasolina: ele funciona para abastecer um carro, não para ser consumido. Isso não significa que ele não deva existir, apenas que seu uso é ineficiente para algumas atividades, mas essencial para outras.
Portanto, o discurso de “Estado não, obrigado” não contribui em nada para o movimento liberal e só serve para enfraquecê-lo.