Luan Sperandio

Análise baseada em dados, evidências e literatura científica para facilitar a compreensão da política, da economia e do mercado.

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política, economia, filosofia, mercado

“O que se vê e o que não se vê” de Frédéric Bastiat

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Claude Frédéric Bastiat foi um economista, escritor e jornalista francês do século XIX, cuja obra trouxe contribuições relevantes para o desenvolvimento das ciência econômica, política e jurídica ao redor do mundo.

Bastiat é muito conhecido pela obra A Lei (1850), em que aborda sua concepção ideal de sociedade de mercado a partir do direito natural, isto é, o jusnaturalismo, segundo o qual os seres humanos têm direitos inalienáveis. Esses direitos independem de qualquer legislação criada por governos. Contudo, a obra O que se vê e o que não se vê, traz perspectivas mais utilitaristas, corrente que argumenta que determinada ação é positiva quando sua consequência prática é a de promoção de maior bem-estar.

O que se vê e o que não se vê

O livro é composto por nove ensaios, em que o autor francês critica análises superficiais focadas no curto prazo em detrimento do longo prazo. O primeiro seria o que se vê; mas é preciso levar em conta o efeito daquilo que não se vê de forma imediata. E é este o problema, pois a maior parte de indivíduos, leigos, aplaudem determinadas medidas econômicas pensando apenas no impacto imediato favorável, desconsiderando consequências de médio e longo prazo, que podem ser adversas.

Essa coletânea de ensaios de Bastiat trata de questões pertinentes ao debate público econômico e político do século XIX na França, sendo escritos por Bastiat a fim de sustentar seus pontos e votos. Há questões referentes à protecionismo, exportação de produção agrícola, industrialização e paternalismo estatal, que podem trazer lições muito úteis aos dias atuais.

Ela é dividida nos seguintes ensaios: “O que se vê e o que não se vê”, “o Estado”, “Abundância e miséria”, “Imensa descoberta”, “Sofismas eleitorais”, “Os dois machados”, “Baratária”, “Petição e o indiscreto”. Em “O que se vê e o que não se vê”, há divisão em vários capítulos, todos evidenciando consequências de longo prazo que contrariam a intuitividade de curto prazo.

O capítulo a respeito da janela quebrada, por exemplo, narra a história de uma vidraça quebrada, e de como isso não geraria benefícios econômicos ao fazer a economia circular e desenvolver toda uma cadeia de produção. Isso porque o dinheiro gasto com o conserto do produto danificado poderia ser um estoque de capital a ser utilizado em outras finalidades. Dessa forma, a quebra de um produto não gera desenvolvimento econômico.

Em “A dispensa”, o autor fala sobre a demissão de 100 mil soldados, que, inicialmente, pareceria algo ruim, pois aumentaria o desemprego e diminuiria a renda de quem hoje compõe um mercado consumidor. Entretanto, a renda desse contingente de indivíduos é arcada pelos pagadores de impostos, o que exige o pagamento de maiores tributos, que em mãos privadas poderiam ser alocados de forma diferente.

No terceiro capítulo, “O imposto”, o francês aborda como sua finalidade é sustentar o funcionalismo público, mas o que não se vê é que os pagadores de impostos deixam de usufruir dos frutos de seu trabalho para isso. Nesse sentido, uma das passagens mais fortes de toda a obra de Bastiat é sua definição de Estado, como uma grande ficção pela qual todos se esforçam para viver às custas dos outros. Mais de um século após a escrita da obra, esse conceito foi classificado pela Ciência Política como rent-seeking, uma lucrativa forma de parasitar o estado a partir do direito de peticionar, do advocacy e do lobby. Dessa forma, um grupo minoritário bem articulado politicamente consegue impor à maioria desorganizada leis e privilégios que gerarão custos que serão pagos pela maioria. É a lei dos custos difusos e benefícios concentrados. O fato do rent-seeking se tornar um segmento inteiro a ser estudado na academia tanto tempo depois mostra como Bastiat estava a frente de seu tempo.

Bastiat teoriza em “Abundância e miséria” que um indivíduo pode enriquecer ao obter um melhor proveito de seu trabalho por vender seus produtos por um preço mais alto. Isto é, ele gera valor ao tornar disponível um bem ou serviço que antes era escasso. Enquanto isso, o consumidor se torna mais rico quando adquire bens e serviços em um maior custo benefício, algo possível quando há abundância, a antítese da escassez.

Dessa forma, há a teoria da abundância e a teoria da miséria. De acordo com Bastiat, qualquer tentativa estatal de equalizar as duas teorias geraria um desequilíbrio natural.

Bastiat analisa as eleições e critica a campanha de políticos que pedem votos de forma ostensiva. Vale lembrar que no século XIX era mal visto pedir votos, como se a busca pelo poder não pudesse ser algo desejável. Para Bastiat, quando um político não faz questão de pedir algo à população, mas obtém uma oportunidade pelo povo, o político no cargo buscará não manchar sua reputação. Este capítulo dos sofismas eleitorais talvez seja uma parte distante da contemporaneidade. Até porque, as inovações relacionadas às campanhas eleitorais aproximaram os candidatos do eleitorado: elas proporcionam maior transparência e vivacidade ao debate de ideias, a despeito de nem sempre haver uma racionalização das propostas de políticas públicas debatidas em uma janela eleitoral.

Ao final da obra, Bastiat satiriza um carpinteiro que peticiona ao Ministro do Comércio a fim de lhe convencer de que sua remuneração não é compatível com seu ofício, muito mais trabalhoso. Ele conclui que há injustiça no processo, e demanda ao político que seja imposta uma legislação que valorize seu trabalho, como, por exemplo, impor medidas protecionistas a fim de restringir a concorrência externa.

A despeito da proposição beneficiar o carpinteiro, ela prejudicaria toda a população, que teria de arcar valores maiores para bens e serviços de qualidade possivelmente inferior. Na metáfora, Bastiat mostra um senhor que lista em seu caderno os prejuízos que a medida protecionista geraria caso fosse implementada. Contudo, a maioria das pessoas enxerga apenas as consequências de curto prazo, e negligencia as adversidades causadas no médio e longo prazo.

Considerações finais

Entre as consequências que a Ciência Econômica moderna apontou empiricamente, por exemplo, está o fato de que o protecionismo dificulta o acesso a insumos mais baratos por parte das empresas, o que prejudica fortemente a produtividade e condições de desenvolvimento e bem-estar. Por conseguinte, diminuir barreiras alfandegárias facilita o acesso a insumos e a bens de capital mais eficientes, resultando em ganhos de produtividade ao país.

Todavia, essa conclusão apenas foi possível graças aos avanços metodológicos da economia a partir de evidências empíricas. Vale ressaltar que Joseph Stiglitz foi agraciado com um Nobel de Ciências Econômicas justamente por conseguir comprovar matematicamente aquilo que Bastiat visionava um século e meio antes. O que se vê e o que não se vê de Bastiat é um constante alerta para se “analisar sempre a floresta, e não apenas a árvore”, sendo uma ótima porta de entrada para quem busca fundamentar suas ideias de forma consequencialista.

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